Na quarta, o tempo mudou. Amanheceu nublado e garoando. A meteorologia previa neve para o dia seguinte. Quinta-feira, primeira coisa que fiz ao acordar foi olhar pela janela. O friozão e a chuvinha continuavam, mas nada de neve. Cheguei na faculdade para a aula das 11. Depois de algum tempo, olhei pela janela e percebi que a chuva tinha passado a cair em câmera lenta: as gotinhas de água, mais pesadas, estavam se transformando em leves flocos de gelo. Nada a ver com o filme de Fellini, mas não consegui evitar o trocadilho: "E la nave va", e la neve viene.
Os montes de neve no chão e os telhados brancos só apareceram hoje, sexta-feira. Difícil fugir do clichê: é um espetáculo. Capricho nos agasalhos e saio pra continuar resolvendo questões da minha estadia. Caminho mais ou menos 1 km até o escritório da Universidade que atende os estudantes estrangeiros. O trajeto tem poucos trechos com aquelas passagens sob os arcos. Assim, caminho ao ar livre, com neve caindo no casaco. O frio não é um problema. Tirando o rosto, descoberto, de resto estou quentinha. O desafio maior é não escorregar no gelo. Uso uma botinha de camurça com sola de couro, lisa. Tomo nota mentalmente: comprar um par de chuteiras. Brincadeirinha. Mas um sapato com algum tipo de "garra" ajudaria a andar mais rápido.
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Calçada cheia de neve: #comofas pra não cair?... |
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...talvez caminhar pela neve fofa. |
Descubro que vou ter que comprar mais uma stampa (um tipo de selo de autenticação) de quase 15 euros e pagar mais algumas taxas, mas ok. Saio do tal escritório e vou para a faculdade. Estou orgulhosa porque andei na neve sem passar frio, porque encaminhei mais uma documentação, porque acertei o caminho de volta sem olhar no mapa, porque não paguei mico escorregando na rua, porque consegui fazer tudo isso e ainda chegar na aula no horário.
O professor está do lado de fora da sala, olhando por uma porta de vidro para o jardim coberto de neve. Diz que ficou pensando sobre o fato de eu nunca ter visto neve antes (havíamos conversado sobre isso ontem) e que devia ser emocionante. Concordei com ele e, como meu vocabulário italiano ainda é bastante limitado, não consegui passar do è bello!.
Só que é muito mais do que bello, mesmo para um europeu que já deve ter visto muita neve na vida. Tanto que ele ainda consegue se encantar: apontou para as árvores do jardim e chamou minha atenção para o desenho formado pela espuma de gelo ao recobrir os galhos nus.
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Árvores rendadas no jardim da parte de trás do prédio da faculdade. |
Mais alunos chegam e nos encaminhamos para a sala. Antes de entrar, ele diz que acessou o blog hoje de manhã pra ver se tinha algum texto com minhas impressões sobre a neve. Ainda não tinha, mas agora tem. E com imagens da neve imaculada recobrindo os jardins do convento, contrastando com o avermelhado característico da arquitetura bolonhesa: a castidade das religiosas que um dia viveram em Santa Cristina e o sangue do Cristo a quem, simbolicamente, todas tomaram por esposo.
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Neve em contraste com a típica arquitetura avermelhada de Bologna: la rossa (um dos apelidos da cidade) vira la bianca. |
11 comentários:
Ah, que lindo o final do seu texto!!!!!!
Gracias, Nivea como a neve!
Nossa Adri, vc me emocionou. Viajei para Bologna com vc. Que legal. Bj
Nossa Adri, que legal...vc me emocionou agora. E viajei até Bologna com vc. Bj
Que bom, Rô! Obrigada! Missing you... beijos!
Uau! Que texto, hein? ;)
Que delícia Adri. Aproveita muito tudo isso!
Jairo, faltou dar crédito para você pelo la rossa (la dotta e la grassa). :)
Obrigada, Tere! Adivinha quem tá me fazendo companhia? O livro que você me presenteou! beijos
Bela neve, bela cidade, belo texto!!
Grazie, Tatá!
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