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26.2.13

Daqui eu não saio, daqui ninguém me tira

Ontem fui visitar um apartamento cujo anúncio tinha visto semana passada, no mural da faculdade de Ciências Sociais, que fica bem pertinho aqui do hotel. É um apartamento de dois quartos na via Pasubio, onde vive um casal de estudantes. Um dos quartos eles queriam alugar para uma ragazza.

Olhei no mapa e decidi encarar o percurso a pé até o local, do outro lado da cidade. Sabia que era longe, mas a caminhada permite sentir o clima das ruas. Depois fui ver que era uns 3 km do centro até o endereço – exceto pelo fato de que errei o caminho e tive que ir e voltar umas quadras a mais. O prêmio? Passar por esse parque, ainda coberto pela neve que caíra no final de semana.


Parco na via Pasubio, próximo a um dos apartamentos que visitei.

O apartamento era muito agradável e os moradores, idem. Continuo impressionada com a gentileza, acessibilidade e disponibilidade das pessoas por aqui, por mais que tenham dito que isso é porque sou mulher, branca, estudante e brasileira. (Parece que não andam tão cordiais com jovens imigrantes do sexo masculino com potencial para disputar os parcos empregos. A conferir.)

Na volta, peguei meu primeiro ônibus em Bologna, o número 19. Mesmo com seus 500 mil habitantes, ruas estreitas e prédios de trocentos anos (que poderiam ser prejudicados com a vibração), todos os autobus são enormes e articulados. Não tem cobrador: você pode validar um cartão que dá direito a várias viagens ou validar um bilhete (comprado antecipadamente em uma tabaccheria) que permite fazer viagens no período de 1 hora. Pode, ainda, comprar sua passagem dentro do coletivo, depositando 1,50 euro numa vending machine. O bilhete antecipado custa 1,20 euro. Quanto aos cartões, há várias modalidades. Não há ninguém controlando se você pagou ou não, se validou ou não. Porém, tá rolando uma campanha educativa: "io vado e non evado".

Em uma tradução beeeem livre, tentando manter o efeito publicitário: "é realmente malandragem não validar sua passagem. /  O transporte público é um direito, pagar a passagem é um dever, o respeito da regra é uma condição para melhorar o serviço. / Eu uso e não abuso".

Chegando ao miolo do centro histórico, próximo ao cruzamento em que a via San Felice se torna via Ugo Bassi, o ônibus parou. Pensamos que se tratava do sinal vermelho. Depois de um tempo fora do normal, o motorista abre a porta para que a gente desça. Há um Citroën parado exatamente no meio da rua, que é acesso importante para o centro e para o outro lado da cidade. A polícia está por ali, mas parece tranquila. Não é um acidente.

Não adianta fuçar aí, gente. Pra consertar esse carro, só com mestrado em engenharia eletrônica.

Pergunto ao motorista do ônibus se o carro está estragado, e ele diz que sim. "E por que não empurram?" – o verbo "empurrar" foi na base do gesto, porque não sei como se diz em italiano. Aí ele me explica que o carro está com o freio de mão puxado, e que esse freio é eletrônico e pifou. Não tem como tirar o carro dali, a não ser com um guindaste – palavras dele, se divertindo com a história. Pra terminar, me diz que posso pegar outro ônibus da mesma linha uns 300 metros à frente (nesse momento aprendo que o bilhete vale por 1 hora).

Enquanto sigo para a próxima fermata (ponto de ônibus) fico pensando: a cidade tem centenas de anos, já passou por um monte de guerras e disputas de poder e, até hoje, não conseguiram pará-la. Estava faltando um moderníssimo Citroën automático com o freio de mão puxado.







9 comentários:

Tatá Vaz disse...

Ótimo! Lembrei de Buenos Aires, onde os ônibus também não tem cobrador.

Adriana Baggio disse...

Muita coisa aqui me lembra Buenos Aires. É interessante como a descendência italiana se expressou de formas diferentes dependendo dos lugares: Curitiba, São Paulo, Buenos Aires...

Adriane Lacerda disse...

Adorei!

Adriane Lacerda disse...

Adorei!

Adriana Baggio disse...

Tks, miga!

maria paula disse...

Non era possibile "spingere" la macchina...rsrsrs ou talvez "impellere" rs

Estou morrendo de "inveja" dessa sua trip, cara amica ;-)

Baci

maria paula disse...

Non era possibile "spingere" la macchina rsrs ou quem sabe "impellere"rsrs

Estou morrendo de "inveja" desa sua trip, cara amica ;-)

Baci

Adriana Baggio disse...

Tem razão, MP! Nas portas que a gente deve abrir empurrando está escrito "spingere". Vem me visitar! baci!

M7B disse...

Adriana,

Que legal sua história. Que bom que tudo andou dando certo. Dizem que os italianos mudam dependendo de onde na bota você estiver.
No meu caso, o calcanhar fica em Milão. Estava por lá na mesma época que você! Não fui para estudar, mas tive contato com universitários. Não sei se foi falta de sorte, o inverno, algum outro motivo ou todas as anteriores, mas comigo as pessoas foram fechadas, desinteressadas, salvo raras exceções, que no geral foram estrangeiros,italianos mais velhos ou homens. E olha que eu estava acompanhada de uma pessoa local, logo estava sendo apresentada aos outros.
As mulheres foram as que mais me trataram com indiferença. O detalhe é que não foi diferente no outono, quando fui pela primeira vez. Só tinha me esquecido disso. Ser mulher, branca e brasileira não fez diferença pra mim. Agora preciso experimentar a primavera e o verão (que só vi a partir da metade de agosto).

MB